Eu sinto que esta vida já me foge
Qual da harpa o som final,
E não tenho como o náufrago nas ondas
Nas trevas um fanal!
Qual da harpa o som final,
E não tenho como o náufrago nas ondas
Nas trevas um fanal!
Eu sofro e esta dor que me atormenta
É um suplício atroz!
E pra contá-la falta à lira cordas
E aos lábios meus a voz!
É um suplício atroz!
E pra contá-la falta à lira cordas
E aos lábios meus a voz!
Às vezes no silêncio da minha alma,
Da noite na mudez,
Eu crio na cabeça mil fantasmas
Que aniquilo outra vez!
Da noite na mudez,
Eu crio na cabeça mil fantasmas
Que aniquilo outra vez!
Dói-me inda a boca que queimei sedento
Nas esponjas de fel,
E agora sinto no bulhar da mente
A torre de Babel!
Nas esponjas de fel,
E agora sinto no bulhar da mente
A torre de Babel!
Sou triste como o pai que as belas filhas
Viu lânguidas morrer,
E já não pousam no meu rosto pálido
Os risos do prazer!
Viu lânguidas morrer,
E já não pousam no meu rosto pálido
Os risos do prazer!
E, contudo, meu Deus! Eu sou bem moço,
Devera só me rir,
E ter fé e ter crença nos amores,
Na glória e no porvir!
Devera só me rir,
E ter fé e ter crença nos amores,
Na glória e no porvir!
Eu devera folgar nesta natura
De flores e de luz,
E, mancebo, voltar-me pro futuro
Estrela que seduz!
De flores e de luz,
E, mancebo, voltar-me pro futuro
Estrela que seduz!
Agora em vez dos hinos de esperança,
Dos cantos juvenis,
Tenho a sátira pungente, o riso amargo,
O canto que maldiz!
Dos cantos juvenis,
Tenho a sátira pungente, o riso amargo,
O canto que maldiz!
Os outros, - os felizes deste mundo,
Deleitam-se em saraus;
Eu solitário sofro e odeio os homens,
Pra mim são todos maus!
Deleitam-se em saraus;
Eu solitário sofro e odeio os homens,
Pra mim são todos maus!
Eu olho e vejo... - a Veiga é de esmeralda
O céu é todo azul.
Tudo canta e sorri... Só na minha alma
O lodo dum paul!
O céu é todo azul.
Tudo canta e sorri... Só na minha alma
O lodo dum paul!
Mas se ela - a linda filha do meu sonho,
A pálida mulher
Das minhas fantasias, dos seus lábios
Um riso, um só me der;
A pálida mulher
Das minhas fantasias, dos seus lábios
Um riso, um só me der;
Se a doce virgem pensativa e bela,
- A pudica vestal
Que eu criei numa noite de delírio
Ao som da saturnal;
- A pudica vestal
Que eu criei numa noite de delírio
Ao som da saturnal;
Se ela vier enternecida e meiga
Sentar-se junto a mim;
Se eu ouvir sua voz mais doce e terna
Que um doce bandolim;
Sentar-se junto a mim;
Se eu ouvir sua voz mais doce e terna
Que um doce bandolim;
Se o seu lábio afagar a minha fronte
- Tão fervido vulcão!
E murmurar baixinho ao meu ouvido
As falas da paixão;
- Tão fervido vulcão!
E murmurar baixinho ao meu ouvido
As falas da paixão;
Se cair desmaiada nos meus braços
Morrendo em languidez,
De certo remoçado, alegre e louco
Sentira-me talvez!...
Morrendo em languidez,
De certo remoçado, alegre e louco
Sentira-me talvez!...
Talvez que eu encontrasse as alegrias
Dos tempos que lá vão,
E afogasse na luz da nova aurora
A dor do coração!
Dos tempos que lá vão,
E afogasse na luz da nova aurora
A dor do coração!
Talvez que nos meus lábios desmaiados
Brilhasse o seu sorrir,
E de novo, meu Deus, tivesse crença
Na glória e no porvir!
Brilhasse o seu sorrir,
E de novo, meu Deus, tivesse crença
Na glória e no porvir!
Talvez minha alma ressurgisse bela
Aos raios desse sol,
E nas cordas da lira seus gorjeios
Trinasse um rouxinol!
Aos raios desse sol,
E nas cordas da lira seus gorjeios
Trinasse um rouxinol!
Talvez então que eu me pegasse à vida
Com ânsia e com ardor,
E pudesse aspirando aos seus perfumes
Viver do seu amor!
Com ânsia e com ardor,
E pudesse aspirando aos seus perfumes
Viver do seu amor!
Pra ela então seria a minha vida,
A glória, os sonhos meus;
E dissera chorando arrependido:
- Bendito seja Deus! -
A glória, os sonhos meus;
E dissera chorando arrependido:
- Bendito seja Deus! -
Abril –
1858
Autor: Casimiro
de Abreu
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