quarta-feira, 3 de abril de 2013

Canto de Amor




Eu vi-a e minha alma antes de vê-la

Sonhara-a linda como agora a vi;

Nos puros olhos e na face bela,

Dos meus sonhos a virgem conheci.

 

Era a mesma expressão, o mesmo rosto,

Os mesmos olhos só nadando em luz,

E uns doces longes, como dum desgosto.

Toldando a fronte que de amor seduz!

 

E seu talhe era o mesmo, esbelto, airoso

Como a palmeira que se ergue ao ar,

Como a tulipa ao pôr do sol saudoso,

Mole vergando à viração do mar.

 

Era a mesma visão que eu dantes via,

Quando a minha alma transbordava em fé;

E nesta eu creio como na outra eu cria,

Porque é a mesma visão, bem sei que é!

 

No silêncio da noite a virgem vinha

Soltas as tranças junto a mim dormir;

E era bela, meu Deus, assim sozinha

No seu sono d'infante inda a sorrir!...

 

II

Vi-a e não vi-a! Foi num só segundo,

Tal como a brisa ao perpassar na flor,

Mas nesse instante resumi um mundo

De sonhos de ouro e de encantado amor.

 

O seu olhar não me cobriu d'afago,

E minha imagem nem sequer guardou,

Qual se reflete sobre a flor dum lago

A branca nuvem que no céu passou.

 

A sua vista espairecendo vaga,

Quase indolente, não me viu, ai, não!

Mas eu que sinto tão profunda a chaga

Ainda a vejo como a vi então.

 

Que rosto d'anjo, qual estátua antiga

No altar erguida, já cabido o véu!

Que olhar de fogo, que a paixão instiga?

Que níveo colo prometendo um céu.

Vi-a e amei-a, que a minha alma ardente

Em longos sonhos a sonhara assim;

O ideal sublime, que eu criei na mente,

Que em vão buscava e que encontrei por fim!

 

III

Pará ti, formosa, o meu sonhar de louco

E o dom fatal, que desde o berço é meu;

Mas se os cantos da lira achares pouco,

Pede-me a vida, porque tudo é teu.

 

Se queres culto - como um crente adoro,

Se queres culto - como um crente adoro,

Se preito queres - eu te caio aos pés,

Se rires - rio, se chorares - choro,

E bebo o pranto que banhar-te a tez.

 

Dá-me em teus lábios um sorrir fagueiro,

E desses olhos um volver, um só;

E verás que meu estro, hoje rasteiro,

Cantando amores se erguerá do pó!

 

Vem reclinar-te, como a flor pendida,

Sobre este peito cuja voz calei:

Pede-me um beijo... e tu terás, querida,

Toda a paixão que para ti guardei

 

Do morto peito vem turbar a calma,

Virgem, terás o que ninguém te dá;

Em delírios d'amor dou-te a minha alma,

Na terra, a vida, a eternidade - lá!

 

IV

Se tu, oh linda, em chama igual te abrasas,

Oh! não me tardes, não me tardes, - vem!

Da fantasia nas douradas asas

Nós viveremos noutro mundo - além!

autor: Casimiro de Abreu

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